Complementando as impressões quanto ao filme ''Garapa'', reproduzo fala do diretor José Padilha durante o Evento ''Encontros'' em 19/05/09. Confiram:
''Quando encontramos uma criança que não conhecemos mendigando na rua, em geral não paramos para cuidar dela. Mas, se for o filho de um amigo, a coisa muda de figura. O que diferencia o sofrimento de uma criança conhecida do sofrimento de uma criança qualquer? A resposta para esta pergunta, e para muitas outras de natureza semelhante, parece ser a seguinte: as relações pessoais tendem a produzir solidariedade, e as impessoais, não.
Muitas explicações já foram propostas para este fato, algumas de ordem biológica, outras de ordem sociológica.
Seja qual for a correta, ele tem fortes implicações para a questão da fome. Afinal, a fome não atinge os amigos de quem está integrado na economia mundial, das pessoas que vivem nos países que têm recursos para combatêla.
Logo, essas pessoas não se sentem compelidas a pressionar seus políticos a resolver o problema, que lhes parece distante.
O que isao tem a ver com a representação da miséria na dramaturgia? Um filme, um documentário ou uma peça de teatro são qualitativamente diferentes da veiculação de dados. Dados informam.
As obras de dramaturgia, quando bem feitas, aproximam o público dos seus protagonistas.
Assim, uma representação dramatúrgica da miséria tem, pelo menos em princípio, chance de romper a barreira da indiferença e de fazer com que seu espectador conheça de perto quem está passando fome. A meu ver, é aí que reside o principal valor da dramaturgia engajada.
Um documentário é um tipo peculiar de representação que tem duas dimensões: uma epistemológica, que diz respeito à forma pela qual o filme apresenta os fatos; e outra dramatúrgica, que diz respeito à maneira pela qual o filme conta a sua história.
A dimensão epistemológica diz se um documentário é fiel aos fatos, a dramatúrgica determina se ele vai funcionar ou não no cinema. O que é peculiar ao documentário é a restrição que a epistemologia impõe à dramaturgia.
Por definição, um documentário não pode alterar os fatos em favor da dramaturgia.
Isso não significa, todavia, que os documentaristas não tenham opções no campo da dramaturgia e da estética.
Muitas técnicas que “desrespeitam” nossa experiência cotidiana da realidade são usadas nos documentários.
Desde recursos narrativos como o flashback e o flashforward, que alteram a linearidade do tempo, aos recursos sonoros, como o uso da música, e visuais, como a alteração das cores. Passa-se, com os documentários, o mesmo que se passa com as denotações. Como observou o lógico alemão Gottoble Frege, duas denotações podem ter o mesmo conteúdo e sentidos diferentes. A filha de Jette Bernheimer e a mãe de Albert Einstein são a mesma pessoa, mas a segunda forma de apresentação tem muito mais impacto do que a primeira.
Assim, a questão que o documentarista se coloca no que tange à dramaturgia e à estética não é de natureza epistemológica, mas sim da ordem da expressão: qual a forma de apresentação que melhor exprime para o público a experiência dramática dos personagens reais? Em um documentário, devese preservar o conteúdo factual como regra e trabalhar a dramaturgia e a estética de forma a transmitir a experiência dos personagens para o público. Restringir as opções estéticas e dramatúrgicas com base em considerações para além da coerência com os fatos é impor uma limitação indevida à ordem da expressão.
A fome não é apenas o maior problema humanitário com que convivemos. É um problema solucionável. Segundo a ONU, um investimento de US$ 30 bilhões por ano acabaria com a fome de 920 milhões de pessoas no mundo e salvaria da morte uma criança a cada cinco segundos.
A alocação de recursos feita para salvar o sistema financeiro internacional, que foi percebida como importante para os eleitores dos países ricos, resolveria o problema da insegurança alimentar grave por mais de cem anos. Os países ricos podem resolver o problema da fome. O que falta é a decisão de fazê-lo. “Garapa” é uma tentativa de aproximar o público do problema da fome de uma forma íntima e pessoal, dando-lhe a conhecer as experiências de algumas famílias que lidam com ele no dia a dia.''
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Procurei esse documentário no Guia de Lazer de O GLOBO e não o encontrei. Já estreou ?
ResponderExcluirP.S.: Cheguei... ah, que saudade !!!! Linha Vermelha ! Fedor do mangue ! Favela da Maré ! Engarrafamento ! Metrô ridículo de pequeno !!! Mas só aqui tem meu feijãozinho, fazer o quê ? Será que os integrantes do COI gostam de feijão também ? hehehe
a estreia será mês que vem, em circuito aberto... ah e welcome !!hahaaah
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